segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Grandes Pessoas

Deixando o tecnicismo um pouco de lado, passo a explorar outro tipo de prosa com os amigos (as): as biografias. Aliás, minha proposta com este blog é de difundir a cultura automobilística, mesmo que a conta-gotas, abrangendo tudo que possa ser relacionado com os automóveis.

Muitas pessoas tiveram suas vidas intimamente ligadas aos automóveis, quer seja por conta da profissão, ou por hobby mesmo. Nosso país é repleto de boas histórias: pilotos heróicos, fabricantes determinados, engenheiros obstinados, e pessoas que fazem do automóvel seu ganha-pão.

Expedito Marazzi, em 1970 (Foto: marazzi.com)
O artigo-biografia que abre esta série não poderia retratar outra pessoa. Já falei dele em muitas outras postagens. Personagem ímpar da nossa cultura automobilística, muito conhecido por seu enorme talento na escrita e por sua simpatia: Expedito Marazzi. Se hoje há no Brasil testes de automóveis, em grande parte devemos a ele. Não há dúvidas de que ele foi o primeiro grande nome no jornalismo automotivo nacional.
Marazzi testando um Galaxie em 1974 (foto de Cláudio Larangeira/QR
Teste do Aero Willys 1965: Repare que Marazzi testava na raça, sem as comodidades atuais. E ainda usava terno! (foto de Armando Rozário)
É verdade que nem sempre os primeiros fazem melhor, mas esta máxima não se aplica ao caso do Marazzi. Pioneiro, Marazzi começou a trabalhar na Quatro-Rodas em 1963, no posto de Redator Técnico. Eram outros os tempos: não havia pista de testes, equipamentos modernos ou muita segurança. Nosso professor, em alguns trabalhos para a QR, fazia tudo sozinho: cronometrava, media a distância, calculava consumo e demais tarefas que um bom teste demanda.

Porém, ele tirava com maestria as dificuldades do começo: revolucionou a técnica de se escrever testes. Não é exagero de fã, não! Basta ver as QR anteriores ao Marazzi pra perceber o quanto ele fez bem a revista. A marca de sua incontestável habilidade com os automóveis pode ser atestada nas fotos que eram publicadas nas revistas, algumas das quais eu já publiquei neste espaço.

Opiniões diversas à parte, se fosse pra escolher dois grandes nomes da imprensa automobilística, indicaria Marazzi e o José Luiz Vieira. Gênios automobilistas. 
Será que nosso professor conseguiu levar algum prêmio do programa? (QR de Outubro de 1965)
Professor Expedito escrevia muito, muito bem. Seu texto prima pela simplicidade. O texto dele flui muito bem sem perder a precisão técnica, quase como se ele nos contasse, durante uma conversa entre amigos, as características dos automóveis e das motos que ele avaliava.

Luis Greco e Expedito Marazzi, 1970 (foto: Roger Bester/QR 12-1970)
Engenheiro mecânico, sabia como poucos conciliar o aspecto mais técnico de testador de automóveis com a fluidez necessária ao bom texto jornalístico. Marazzi escreveu pra outras revistas além da QR: Auto-Esporte, Manchete, O Carreteiro e tantas outras. Mas foi na Motor 3 que ele escreveu seus melhores textos:

"Muita gente pode até achar que o trabalho de um "testador" de automóveis é diversão... Muitos amigos meus, ao me verem pilotando um automóvel sofisticado, ainda não conhecido do público, batem nas minhas costas e dizem sorrindo: "Marazzi, eu tenho uma inveja de você... que vida, hein?
Na verdade, a coisa não é bem assim. Para se possuir a condição de julgar corretamente o comportamento de um automóvel ou de uma moto são necessárias diversas características pessoais, obtidas com muito sacrifício e abnegação. Coisas que nenhuma escola ensina, somente a prática de muitos anos. Como, por exemplo, técnica mecânica, política de vendas, direção defensiva, andar no limite de aderência, operar instrumentos especiais, teoria dos erros, Física, Química, Matemática, Relações Públicas, tudo isso misturado de um certo jeito, muito especial. E, principalmente, redação: capacidade de expor de modo claro, para um público heterogêneo, assuntos complexos.
Com isso tudo, o "testador" de veículos vai ficando meio frio, meio impessoal, com o correr dos anos. Ele precisa gostar muito, mas muito mesmo, daquilo que faz, para continuar transmitindo calor humano nos textos de seus testes, sem o que o leitor, vai-se aborrecendo daquela xaropada, sempre igual, mês após mês.."
“Como o brasileiro gosta de esportes motorizados, não? Há uns anos atrás, a prova máxima era as “Mil Milhas”, uma vez por ano,apenas. A gente ficava o ano inteiro esperando por ela. De vez em quando havia uma corrida em Interlagos,e os concorrentes eram quase sempre os mesmos. De raro em raro surgia uma novidade. O numero total de corridas no Brasil, numa temporada era de ordem de uma dúzia... Que diferença nos dias de hoje!
Esse pensamento me fez olhar as corridas por outro lado. Como coisa séria. Como coisa importante. Não como coisa de moleques. Na verdade,de tanto batalhar inutilmente pelas corridas no Brasil,de tanto ouvir negativas de patrocinadores em potencial,de gente metida a importante,engravatada,atrás de imponentes escrivaninhas, eu acabei ficando meio inseguro. Será que, realmente, isso tudo não passa de brincadeira de quem não tem o que fazer?
Certa feita eu vinha de Interlagos rebocando numa carreta um dos meus Formula 1300, usado nas aulas práticas da minha escola de pilotagem. De repente, um executivo do tipo descrito acima sentiu-se “fechado” pela carreta me fez parar e me agrediu com palavras pesadas e entre outras “pérolas” saiu-se com essa:'Você está prejudicando o Brasil,gastando combustível com essa porcaria de corridas...'
Mas agora, vendo milhões de pessoas – não somente aqui no Brasil,mas em toda a parte do mundo,graças à TV – vibravam,do mesmo jeito que eu,com as competições motorizadas,tive a certeza que não desperdicei a minha vida!"
“Certa feita fui a um banco, pedir financiamento. Minha ficha estava quase aprovada,quando o gerente soube que eu era piloto de competição,além de jornalista. Pronto: foi água na fervura, o financiamento não saiu.
Em outra ocasião, fui procurado por um agente da companhia de seguros, que pretendia vender uma apólice. Conversa vai,conversa vem,ele acabou desistindo da venda,quando soube que eu participava de corridas de automóveis e motocicletas. Essa agora, não aconteceu comigo, mas fui testemunha: o vetusto pai de família, vetando o namoro da filha com o moço que a cortejava. Justificativa: 'Ele é um louco! Imagine que corre até de motocicleta!'
Outra,mais dolorosa,de um “amigão”meu,diretor de uma empresa que estudava a minha contratação como funcionário na área de promoções:'Infelizmente,Marazzi,não vai dar. Nós precisamos de uma pessoa mais séria e você continua com aquela sua mania de corridas. Quando você vai criar juízo? Isso tem de acabar...”
A Motor 3 era uma revista editada pela Editora 3 na década de 1980. Reuniu nomes históricos, mas, como tudo que é bom na vida, acabou-se no final da década de 80... (Sugestão: bem que poderiam recriar a Motor 3!).

Mas a atuação de nosso Professor ia muito além das revistas e dos testes: Marazzi também tinha seu lendário curso de pilotagem, o Curso Marazzi, o qual formou incontáveis pilotos. Sem falar em suas participações em inúmeras competições.
Marazzi, 1972
Propaganda do Curso Marazzi, 1986
Não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, infelizmente. Pra subsidiar este artigo, procurei em várias fontes o que se falava do Mestre. Todas, disse TODAS, descrevem-no como alguém muito cordial, simpático, acessível, bem-humorado e apaixonado pelo trabalho. Basta procurar no Google.com e ver a quantidade de boas histórias que o Marazzi protagonizou. Inclusive há no Orkut uma comunidade em homenagem ao Marazzi! (é só procurar  o termo "Expedito Marazzi" no site de relacionamentos e ler boas histórias!). 

Pena que Marazzi já tenha partido. Ficou uma legião de fãs, muitas boas histórias, e centenas de artigos publicados por revistas especializadas. Seu trabalho foi (e é) tão importante e significativo a ponto de influenciar, até hoje, boa parte daqueles que empregam seu tempo a escrever sobre automóveis. É referência obrigatória àqueles que desejam escrever sobre automóveis!

Obrigado por tudo, Marazzi!

8 comentários:

  1. Saudades enormes do meu professor...Foi lendo os artigos dele que eu me apaixonei perdidamente pelos carros e com ele no banco do carona andando em Interlagos que eu aprendi o verdadeiro valor de um mestre !!!
    Imortal !!!

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    1. Fantástico, Mário! Imagino o privilégio de ter sido um dos alunos do Marazzi; mal posso imaginar como era dar uma volta no circuito de Interlagos (no traçado mais interessante da história) ao lado do Marazzi. Obrigado pela visita e pelo comentário, grande abraço!

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  2. AO autor deste texto e do blog, sou o Roberto Negraes, que trabalhou durante anos na Motor 3. Fazia testes de carros, fotografava, e também por um tempo tive uma editoria de carros 4x4. Toda semana em Interlagos. Escrevo para te dizer que fiz o primeiro curso do Marazzi de pilotagem, e voltamos a nos encontrar na Motor 3, onde trabalhamos juntos. Eramos bons amigos e senti muito sua morte. Realmente a Motor 3 foi um marco no jornalismo automobilistico brasileiro. Muitas saudades desse tempo

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    1. Meu caro RN (se é que posso te chamar assim, como na assinatura da Motor-3), que alegria receber um recado seu! Sou seu fã!

      Lembro que antes de escrever a postagem sobre o Marazzi, pesquisei o máximo que pude em várias e fontes - e todas, em coro, diziam a mesma coisa: EM era um sujeito fantástico e com muitas histórias, por isso que não poderia deixar de falar sobre ele neste pequeno espaço. É impossível falar de automóveis sem falar de pessoas; Marazzi não poderia ficar de fora. Seria um prazer enorme se você compartilhasse conosco algumas das suas histórias tão legais.

      Sim, RN, eu li e leio as suas reportagens na Motor-3, como as que os seus colegas fizeram na época, hábito que tenho há mais de uma década e que vou levar pela vida a fora, ainda mais porque recentemente completei as 83 edições.

      Como eu disse ao amigo Mário, nem consigo imaginar ter um curso com o Marazzi, ainda mais trabalhar ao lado dele. Você, RN, fez parte da melhor revista automobilística jamais publicada, consigo perceber, ao ler as reportagens, o quanto vocês se divertiam nas avaliações e até mesmo na hora de nos contar como era o comportamento dinâmico do veículo, ou do barco, da aeronave ou do que quer que fosse. Só posso te agradecer, RN!

      Muito obrigado pelo comentário e este espaço está mais do que às ordens!

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  3. Bom dia e parabéns pelo trabalho. Pelo que ouvi dizer Marazzi morreu em 1988 com reporter da revista caminhões na Mogi Bertioga. Isso confere?

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    1. Olá, Henrich! Agradeço seus elogios e sua visita!

      A informação procede: Marazzi nos deixou em dezembro de 1988. Ele, junto do fotógrafo e de um motorista da Mercedes-Benz, participavam de um teste para a revista O Carreteiro e faleceram quando o caminhão se perdeu em uma das muitas curvas da Mogi-Bertioga.

      As perdas foram (e ainda são) muito sentidas, Marazzi se foi muito cedo, certamente seria ainda um grande defensor do automobilismo e um jornalista dos mais renomados.

      Ficou a saudade e as boas lembranças.

      Grato pela visita!

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  4. Saudades do Marazzi; fui seu aluno e aprendi muito com ele. Sabia tudo de carros e corridas.

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    1. Realmente, Marazzi faz falta até hoje, todos as fontes e relatos aqui contados só reforçam a importância dele no automobilismo nacional e na vida de muitas pessoas.

      Grato pela visita e por compartilhar suas lembranças!

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